02/04/2024

Decisão do STF dificulta uso de precatórios para pagamento de dívida ativa da União

Por: Beatriz Olivon
Fonte: Valor Econômico
Contribuintes passaram a relatar dificuldades para usar precatórios em
pagamentos de débitos inscritos na dívida ativa da União. O problema
começou, segundo advogados tributaristas, após o julgamento do Supremo
Tribunal Federal (STF), em dezembro, que derrubou o limite anual para a
quitação desses títulos. Ao Valor, a Fazenda Nacional informou que irá analisar
a situação para uniformizar o procedimento e que está mantida previsão legal
que permite o uso de precatórios em compensações tributárias.
No julgamento realizado no Plenário Virtual, os ministros do STF derrubaram
alterações implementadas em 2021 no regime constitucional de precatórios
(Emendas Constitucionais 113 e 114), entre elas a que impunha um teto para o
pagamento dessas despesas entre 2022 e 2026 (ADI 7047 e 7064).
Caiu também, com o julgamento, a previsão de que seria autoaplicável para a
União a possibilidade de o credor ofertar precatórios próprios ou de terceiros
para o pagamento de débitos parcelados ou inscritos em dívida ativa - inclusive
por meio de parcelamentos e transações tributárias, segundo a Procuradoria-
Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
A partir dessa exclusão, alguns contribuintes foram informados por unidades
da PGFN que a portaria que tratava do uso de precatórios para pagar débitos
inscritos em dívida ativa (Portaria PGFN nº 10.826/2022) não poderia mais ser
aplicada por falta de lei específica. Sem o normativo, estaria suspensa a
utilização de precatórios para pagamento da dívida ativa, inclusive por meio de
transações tributárias.
Para o advogado Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados, porém,
embora o Supremo tenha delegado a regulamentação sobre a possibilidade do
uso de precatórios para cada ente federado, no caso da transação individual há
lei (nº 13.988, de 2020) e portaria específicas (Portaria PGFN nº 6.757, de 2022)
que regulamentam a matéria. As portarias deveriam ser observadas, acrescenta
o tributarista.
Questionada pelo Valor, a PGFN informou em nota que “dada a ampla
produção normativa sobre o tema, a retirada do termo ‘autoaplicabilidade para
a União’ no texto do artigo 100, parágrafo 11, da Constituição não impacta os
fluxos de trabalho e as orientações atualmente aplicáveis à utilização de
precatório para adimplemento da dívida ativa da União”.
Dessa forma, de acordo com a procuradoria, suas unidades devem seguir
admitindo o uso de precatórios em parcelamentos, transações ou para
abatimento direto em inscrição na dívida ativa da União, nos casos em que estão
presentes os requisitos normativos, conforme previsto na Portaria PGFN nº
10.826, de 2022.
O julgamento do Supremo também afetou a possibilidade do uso de precatórios
para pagamentos em concessões. A partir do julgamento, a Advocacia-Geral da
União (AGU) recomendou aos ministérios e agências que aguardassem por uma
nova regulamentação antes de aceitarem propostas envolvendo esses títulos em
concessões. Foi preparada uma sugestão de nova regulamentação que aguarda
análise pela Fazenda, de acordo com o órgão.
A impressão é que a União acabou abrindo mão dessa possibilidade em
concessões”
— Marco A. Innocenti
Sobre uso de precatórios em concessões, a assessoria de comunicação da
Fazenda disse ao Valor, por meio de nota, que para assegurar previsibilidade ao
pagamento de precatórios da União, o governo federal tem, desde o ano
passado, se debruçado em retomar a regularidade e corrigir distorções. De
acordo com a nota, “como mais uma etapa deste processo, o Ministério da
Fazenda analisa técnica e juridicamente o uso de precatório e reafirma a
intenção de concluir um entendimento a ser apresentado em conjunto com a
AGU, nos termos do Decreto nº 11.526, de 2023, que alterou o Decreto nº
11.249, de 2022”.
“A Emenda nº 113 [que trazia o teto de precatórios] ajudaria muito o governo
no pagamento dos precatórios, reduzindo o volume pago”, diz Pedro Corino,
sócio do escritório Corino Advogados. Quando o texto foi derrubado pelo STF,
acrescenta, o mercado de compra de precatórios voltou a ficar aquecido,
deixando o deságio menor. “Muitas pessoas ainda têm conseguido usar
precatórios, mas muito aquém do que se diminuísse a burocracia”.
Segundo o advogado, antes do julgamento do STF, foi criada uma outra
dificuldade pela PGFN: a exigência, em compensações tributárias, da
apresentação da Certidão Líquida de Valor Disponível. Corino explica que, na
etapa anterior, a determinação de expedição de precatório por decisão judicial
não impede que exista recurso pendente na Justiça.
Para o advogado Marco Antonio Innocenti, do Innocenti Advogados, as
compensações vem acontecendo, “talvez num ritmo não tão grande, por
dificuldade operacional”. O que não tem acontecido, acrescenta, é a utilização
para compra de ativos, na participação em leilões de concessão. “Para isso falta
portaria da AGU”, afirma. “A impressão que dá é que o governo acabou
abrindo mão dessa possibilidade de uso dos precatórios.”